em busca de mim

Friday, June 23, 2006

sentou-se numa das mesas desertas do café... pediu o costume e sorriu para o empregado quando este o pareceu reconhecer. acusou o desconforto de nada ter trazido para ler nem fazer. não se fazia acompanhar de cigarros, a muleta dos que esperam... talvez porque o tabaco os obrigasse a pensar, pensou... concentrava-se nos seus pensamentos, baixava o olhar rodeando as cadeiras da mesa da frente, mas rapidamente perdia-se na solidão dele próprio... era uma idade egoísta, fechada e ausente... que recusa definição e conteúdo mas exige dos seus pares interesse e comoção... resolveu esperar na mesa do café... visitou a casa de banho, molhou a cara, procurou-se no espelho... era um hábito seu, que tinha aprendido em pequeno de observar o avô: erguia a face esquerda, levava a mão direita ao pescoço e com a ponta do indicador certificava-se de um ou dois pêlos escondidos... a ansiedade abrandou quando o empregado lhe ofereceu a revista para se distrair... fartou-se ao terceiro minuto e desceu para a livraria em busca de algum pedaço de prosa que lhe cravasse alguma ira no espírito, de preferência dum escritor trágico e infeliz...

Monday, June 19, 2006

acho que foi mais ou menos à saída das pizzas que percebi que tinha que escrever sobre isto... e ainda achamos que o mundo não é estranho... cantava-se a marselhesa, não sei ao certo quem começou e se motivados pelo mundial, ou o regresso dos progenitores de paris ou a lembrança de uma fábula de escola quando me mascarava de napoleão em comemorações europeias...
a verdade é que naquele instante, percebi o complexo que o mundo continua a ser quando se cresce a ouvir discussões implícitas e fechadas... ninguém se preocupa se a rapariga de lábios nutellados percebeu que afinal o Jorge que foi à Alemanha para ver o Mundial, é o Sampaio que agora viaja como qualquer apoiante da selecção e como tal, janta com os jogadores ou toma um copo com o scolari... desconfio que tão pouco o irmão se preocupe muito com isso... afinal a sobremesa quando é grande, divide-se! o mundo surge apenas complicado...
é como aquela grande descoberta de infância: o bacalhau. afinal mais se parecia com um linguado grande ao qual tinham a mania de encher de sal a torto e a direito e depois pôr de molho para o tirar... e às vezes ainda discutiam que estava salgado! haja gente doida! foi estranho quando num livro qualquer ele pela primeira vez apareceu fechado... pensei que estivesse enganado! mas não... era igual ao atum... comecei pois a olhar para a senhora da máquina do "corte-me em postas" com mais respeito e atentar na espinha junto às partes mais altas...
a isto junta-se a descoberta estranha de ver passar dois comboios quase seguidos junto a belém num daqueles passeios de pretexto para pastéis de nata... "mas aquele comboio vem a andar para trás!". ao que a minha avó pensou: "este rapaz não é muito esperto, não!"... hoje o meu avô reabilitou a história, a que chama de primeiro contacto com a teoria da relatividade... física elementar pois então!

Thursday, June 15, 2006

a chuva de ontem reforçou as dedadas artísticas, mensagens e desenhos do vidro do carro... parece que o silêncio obrigava a que quem me acompanhasse, quisesse deixar a sua impressão, uma lembrança ou um mero esboço de pequenos nadas que valorizamos quando a chuva cai intensamente e não apaga as marcas que o coração não esquece... lembrei-me do "itch" e li "bitch" procurei alguma história na memória que a isso justificasse e um vazio aliviou a moral do condutor... mais abaixo uma estrela apelava a uma esquerda moderna presa a estatutos e academismos... mais rasuras do meu lado, mas do outro um pézinho pequeno... abaixo outro comentário: "do best tás lá!"...
vou lavar o carro nos próximos dias mas espero que a tela se mantenha na memória por algum tempo...

Saturday, June 10, 2006

passava pouco das 10 da manhã... entrou-lhe pelo gabinete com um ar sobranceiro. tinha a dignidade bélica e a rectidão ocidental de um desertor siberiano... no fundo, alto e magro a condizer com o conjunto de secretária...
sem poucas palavras, menos do que nenhuma: deixou cair junto ao teclado uma carta... olhou-o nos olhos e saiu... estava despedido...
ó menos dava-me um baralho!

pois... sim é verdade, também já joguei melhor às cartas do que acho ser capaz agora... mas nisto como em tudo: a experiência é o segredo dos mestres... "horas de vôo" - lembro-me de ser esta a expressão.

sim... engraçado:

o pintor que não pinta: é ele pintor?
o escritor que não escreve: é ele escritor?

lembra aquela história do leão que certo dia levantou-se e decidiu ser vegetariano, mas muito majestosamente certificava-se continuar o rei da selva...
não conheces? como não conheces?
hum... é natural ele também não durou muito tempo...

ah sim e directamente para oxford, o génio de Brecht:

" Observe strangers as if they were familiar
and those whom you know as if they were strangers."

- Sim, parece que finalmente regressei a casa...
- Não se regressa aonde nunca se esteve... sabes disso?
- Guardas esses pensamentos para ti?... Que seca!


passei a venerar esta frase: "logo se vê..."

é! lembrei-me de escrever como o pulsar do meu cérebro: rotineiro, obtuso, vago...
acho que são essas as conversas que mais aprecio... aquelas que depois nunca saberemos remontar... ficaremos à tarde pelo café, e à noite nada pesará do que foi dito... ficaram no passado... rio-me sucessivamente e histericamente quando me lembro do maravilhoso processo que é deixar de dar valor às palavras... como se fossem apenas música que alguém te oferecesse e tu apenas precisasses de acenar aos acordos finais... e o teu olhar se fundisse na íris do tenor, companhia de mesa de esplanada, a partir, digamos do terceiro andamento...

ah e viva Portugal!

Monday, June 05, 2006

ouvia-se pelos altifalantes da feira: "...banca 84 editora caminho, encontra-se Mário de Carvalho numa pequena sessão de autógrafos... banca 86..." os ouvidos noctívagos de coruja com insónias de lágrimas vãs, não deixavam passar pérolas do passado do homem que com o braço esquerdo me trazia para junto dele...
acenei baixinho aos olhos do meu pai como quem lhe pede que interrompa a marcha por um refresco de quiosque de ocasião, por entre as únicas mesas de ilustres desconhecidos do parque... ao longe, contam-se filas, estalidos e pipocas... e tudo parece atacável quando percebemos que se organizam estas feiras para ver se os escritores emagrecem uns quilitos: afinal estes dias lembram agosto bem temperado, mas agosto! atacável porque o olhar da poetisa eleita parecia vencido ou simplesmente porque cheira a cravos nas bancas por onde páras...
e nisto, tudo parece menos triste quando a feira exulta secretismos bélicos, defendidos quando tendemos sempre a acreditar que a arte antecipa tudo, até a morte... e não porque se ouça o pintor morreu quando me espanto pelo abraço apertado que trocas com homens que a minha imaginação não foca, nem agrupa de cabelos compridos e caras imberbes...
é estranho sentir que, enquanto filhos, resultamos num misto de orgulho e abdicação do potencial que só os nossos pares nos conferem no tempo dos sonhos e dos planos... nos saudosos anos 20... não de nenhum século, mas da vida de qualquer homem apaixonado pelo seu semelhante...

"... e explicar como é desolador chegar ao nascer da roxa aurora e ao rumor dos primeiros autocarros apenas com duas ou três páginas sofrivelmente apontadas. Só este trabalho de minuciosa lavra, em traiçoeira brenha, não contando com o resto, havia de ser, não principescamente, não regiamente, mas imperialmente pago."

é interessante como é importante associar um livro a uma história, amizade ou afecto... resulta mais saborosa a leitura e dá-nos mais prazer quando olhamos para a estante e vemos retratos da nossa vida, dedicatórias circunstanciais e inventários dos nossos laços...

Saturday, June 03, 2006

o silêncio desnorteia-me...

hoje pareceu-me quase como uma metáfora evidente: é como se te propusesses a alterar o quarto, mexesses nos móveis na secretária e na cama, e mudasses a configuração do quarto... passados 3 dias não gostas, propões-te mudar outra vez... passado outros 3 dias não gostas... e mudas... e depois a certa altura desistes... e apercebes-te que o quarto que tens agora não te lembra nada o teu antigo quarto... a nostalgia resulta pointless, mas a verdade é que nem sequer te lembras como ele era antes e que harmonia tinha contigo, o que fazias nele e o que nele era da tua autoria... meio perdido, voltas a querer mudar e parece que desistes... o quarto parece meio abandonado aos encantos que outrora tiveste e projectos que outrora quiseste...

tudo muito confuso? that's just for what it stands!... e a certa altura perguntas-te porque não ikea? pareces então entretido mas a ilusão esmorece nos momentos em que apenas nos temos a nós próprios: vazios e incoerentes...

Thursday, June 01, 2006

o tejo é mágico de noite. veste o negro e usa dois longos colares de pérolas sobre a ponte...
hoje um deles estava apagado, meio fundido... parecia adivinhar o silêncio dos homens em terra... a esplanada parecia deserta de vida e algures sentia-me espiar por entre os rostos e conversas, sons que habitam na nossa mente, quando estamos sozinhos...
lembro-me de percorrer as células de excel e não achar forma de impor alguma congruência num existir incógnito e subtil... e às vezes gostava de poder perceber como agia antes disto... é estranho saber que algures me perdi...

vêm pedaços que intuo não serem meus, mas lembraças de outros e influências de linguagem penetram no viver corrente... e é realmente fascinante como sou capaz de distingui-las e pormenorizar autores e ocasiões...