em busca de mim

Monday, May 29, 2006

depois de duas semanas e meia em coma, abriu os olhos agitada mas imóvel... de olhar angustiante e pertubador... a enfermeira acorreu verificando as pulsações nas máquinas ao redor. Não conseguia falar e sacudiu a mão... o gesto foi interpretado na boa prática de enfermagem britânica como uma necessidade de escrita e talvez de expressão... tentava agora aos 84 anos, as primeiras palavras... "não consegue falar, apenas escrever"...
"rumo ao nobel" - pensei.

Sunday, May 28, 2006

e nisto, tornou-se refugiado de um viver mutilado e sem sabor... e é estranho saber que tudo resulta fácil, estranhamente comum, vulgar e mesmo primitivo... nenhum traço buscava qualquer sofisticação... de um despretensiosismo feroz quando os olhos se cruzam entre palavras cujo significado se foi perdendo...

tal e qual... e nisto ouvia-se entre soluços, o rosnar de um leopardo mal amordaçado, sedento do que lhe faz vibrar... sedento de ti

parece que se caiu na lógica célebre do que move os que dominam... "é preciso que alguma coisa mude para que tude continue na mesma".

mas às vezes simplesmente temos que fazer parte do sistema... para que possamos "mudar" alguma coisa... por muito que isso custe...

Wednesday, May 24, 2006

parecia daqueles bonecos inanimados que no primeiro raiar do sol perdem o brilho no olhar e desfalecem rígidos pelo quarto... e a noite foi tão boa, tão cheia de vida, de histórias, de brincadeiras, de pequenos barulhinhos de baixo da cama, nas prateleiras dos soldados ou no porão de sonhos junto ao armário... à noite, quando as crianças de verdade dormem e sonham... gostava de saber se de dia todos aqueles bonecos soltos no malão de viagem fazem algo parecido com o sonhar dos meninos de verdade... e nada comum a inteligências artificais ou toy stories sem heróis, o quarto permanece igual a ele mesmo... igual a ele mesmo, quando pela janela se ouve um pássaro anunciando a manhã e o pai prepara-se para acordar os meninos de verdade...

Monday, May 22, 2006

deixei-me ficar por breves instantes a observá-lo...
lembro de pensar que cheirava ao plástico dos barcos insufláveis da praia, daqueles que o pai puxa pelas ondas que lhe alcançam o joelho... E nisto ter 5 anos, é ser destemido... pergunto-me onde ficam estas provas de confronto do medo quando crescemos... não seria mais fácil saltar apenas de um avião?...
imagino-me de lágrimas a escorrerem pela cara, mão esquerda junto à face, e caminhando para junto das toalhas ansiando em gemidos descompassados o conforto da mãe... e não as acho... cadê a toalha castanha e a das riscas verdes e brancas?... não há guarda sol, não há toalhas, não há mãe... perdido...
então sinto uma mão forte pela cabeça... uma festa de consolo terna... um toque no ombro e à minha frente, por entre os dedos que me tapam os olhos, surge um pai da minha altura, inclinado, de ouvido bem aberto e voz doce... "então campeão?"

ainda hoje me questiono o que se terá passado entre isto e o final do corneto de chocolate, devorado, sentado com as pernas roliças estendidas pelo castanho escuro e de dedos croquetados pela areia suja da praia de setembro... terei voltado pelo meu próprio pé, de mão firme submersa numa outra forte? ou a magia do colo e do afecto envolveu-me e fez esquecer o susto de uma fraga mais avessa?...

Thursday, May 11, 2006

é importante que se volte a escrever!

parece que não ando à procura de respostas nos outros... acho sim que procuro perguntas melhores que as minhas... é como se quisesse ver pelos olhos de todos, um género de filme em que se capta exactamente o que as personagens vêem e fazer disto tudo uma salganhada!

Friday, May 05, 2006

ia parar na passadeira... viu um peão de farda pela esquerda que lhe exigiu que passasse com o braço de ex-arrumador. era um polícia!
entretanto uma velhota confiante nas instituições atravessava pela direita. não fez mais nada, acelerou a fundo e atropelou a velhota.
mais tarde, recebeu em casa um agradecimento conjunto de ministro das Finanças, chefe da polícia e administrador da segurança social.

Wednesday, May 03, 2006

num tom de secretismo, trocaram olhares cúmplices de traídores do regime. Acenaram momentânemante após confirmarem que estavam sozinhos no corredor. João tirava agora do bolso lentamente um papel dobrado:

3 garrafões de água
2 plenos chá preto
...

Coloquei cirurgicamente os plenos encostados aos garrafões. Trocámos de novo olhares capazes, cientes do significado daquela missão.

Passámos depois ao corredor dos sumos...