descíamos a passo pela sombra primaveril do passeio da Liberdade...

chega a comover ver o riso franco de crianças que brincam por entre faixas de manifesto no corredor dos notáveis... a irmã mais velha de 8 foge do rapaz traquina de 5 que a persegue cambaleante... de jardineiras azuis, t-shirt branca por baixo do suspensório que resiste à brincadeira... o chapéu de pala do mesmo azul das jardineiras dobradas um pouco a baixo do joelho... e na mão carrega o peso da liberdade e do sonho por que marcham outras gerações mesmo ao seu lado... é um vermelho fresco que segura despreocupadamente enquanto corre atrás da irmã... o pai segue atrás de barba doutrinária, e de óculos atentos... ostenta o cravo preso na camisa... é um encarnado vencido que murcha por entre os vazios de gente...

o tempo voltou a passar lentamente...
deixei de saber se é lógico esperar que ele traga respostas... também não sei ao certo se as perguntas surgem numa sequência coerente para o ouvinte comum e mesmo se o seu sentido não está desfasado...
como se procurasse num relógio de bolso, velho e parado, as horas que ainda estão por vir... e não sei se a ansiedade de o voltar a ver trabalhar não é maior que o medo de o pousar no fundo perdido duma gaveta...
dá-se corda... e espera-se...
dá-se corda... e espera-se...
volta-se a dar corda... e espera-se...

tens a mão aberta?

um pássaro na palma da mão, se apertado foge, desaparecendo no horizonte...
às vezes pergunto-me se o peixe laranja submerso num saco de plástico transparente sobreviveria nas palmas das minhas mãos... então junto-as em forma de concha ou ninho e espero... espero... às vezes os lagos são pequenos demais... outras basta apenas uma poça de água ;)