em busca de mim

Tuesday, October 31, 2006

o galeto era um covil pretensioso de um grupo de futuros patos bravos cansados de trabalhar... a noite acolhia aí o desprezo pela classe e prometia-se ser diferente a troco de mais uma cerveja ou um prego no pão... entrávamos a essa hora com pouco dinheiro no bolso, não havia mecenas nessas horas de decadência e desespero... no entanto, entre tragos de cerveja ou mesmo trina de maçã, o mundo parecia menos obscuro, mais concreto, mais previsível... mais controlável!

Monday, October 30, 2006

é por não saber o que ando afinal à procura que a luta é tão complicada... é por achar que não há vencedores neste jogo de cabra cega... é por não me achar à altura de jogar que desisto dele facilmente... é por saber que a unicidade no mundo é um sonho dos Antigos, é por menosprezar a minha geração... é por olhar com mágoa para o mundo lá fora... que hoje quando penso nisso sei apenas o que me faz captar a atenção e pensar que há génio na cabeça de quem retenho na mente... é a dádiva maior que algum ser humano pode e poderá depositar noutro semelhante, é este amor infinito no que é a civilização, é este acreditar sem medida nas capacidades dos outros... é a esperança! esperança é a palavra curta que mais difícil parece ser receber a esta hora... buscar o quê? buscar esse nada que tantos outros agradecem de sorriso largo e franco... não me chega, não me basta e receio que nunca o faça...

Sunday, October 22, 2006

dias inúteis ao sabor da chuva... porque não tenho uma visão muito romântica da chuva mas por hoje chega... meio perdido numa fábula do Bret Easton Ellis com o desprendimento típico de um drogado que se prostitui pelos trocos brilhantes duma raça de elite... são eles os vencedores do submundo de início de inverno... e o temporal chega sem lembranças, sem recordações e sem o que quer que existisse...

sorrimos ao espelho quando acordamos com o hálito a rum ainda pela garganta e os lábios secos, tão secos que apetece mordê-los e sentir-nos vivos... pois que chova! que o temporal nos renove e nos faça crescer...

Friday, October 20, 2006

será que conheces exactamente o significado das palavras que dizes?
e será que tenho a certeza que o que dizes faz sentido?

às vezes queria simplesmente perceber que caminho escolhes...
é desconexo, frágil e incoerente o percurso que abraças sem medo... e mesmo assim aceito-o sem emenda... porque sei que assim te sentes livre, capaz e com sentido... por muito que apenas a ti as coisas te façam sentido... escolhas apenas isso... porque sorte é a imagem que temos das escolhas que fazemos, nada mais do que isso...

Tuesday, October 17, 2006

confusão, medo, atrofio e falta de jeito... assustam e sem dar-mos conta acabam por ficar... apetece sentar-me ali sozinho sem medo que o amanhã chegue e me apanhe ainda a pensar em passados meus, de joelhos dobrados contra o peito e braços abraçados às pernas, sabe bem sentir as orelhas frias e os lábios secos... porque deixei de pestanejar há longos minutos... e deixo-me ficar... a lua sabe do que falo e responde-me com o silêncio nobre dos aventureiros... é bom saber que me apetece parar e ali ficar para sempre junto de mim... bem junto de mim. e sinto as mãos frias... tapo-as com a sweater velha e rota... talvez à espera que as unhas cresçam para que faça sentido poder roê-las de novo...

Saturday, October 07, 2006

os capitães da areia devia ser esse o título... às vezes gosto de construir pequenos castelos de areia... é saber que são apenas isso: castelos de areia... vencidos pela água e abandonados ao vento... e que valem por si... são palavras soltas a troco de nada que oferecemos a quem as destrói ou quem as renova... por vezes gostava de saber construir coisas que aguentassem mais tempo... mas talvez não as explorasse tanto ou não me identificasse tanto...

Friday, October 06, 2006

quase cem anos depois, a República comemora-se com a ponte... de manhã, ouço barulhos na cozinha... pratos e panelas soam a revolução. mas são sinais murchos e tímidos de quem trabalha também ao feriado. Fascistas exploradores penso... mas sabe bem quando a carne assada é feita na hora e o puré parece ainda acabado de pimentar. trabalha descalça, mas quando questionada responde que o caule do pé a magoa e que a "sôdôtora" quase a obrigou a descalçar-se... acho o pavimento frio e ouço ecos republicanos mas ninguém pára o monstro das bolachas que nos domina ao levantar...

E a ponte surge como necessária às 4 da manhã... os bares fecham e sabemos que estiveram abertos pela República no mesmo dia em que a Regata Real da moita reuniu o mecenato monarca português... (tantos R's e M's!) e que bom ouvir nomes compridos e saber que tudo aquilo tem história, tradição e podridão... a mesma podridão dos que passam fome ainda hoje em fados da República!... ostenta Platão e lembra que a democracia na sua origem propagandeava a ditadura do povo... e surge sublime apreciar como em dois mil anos distorcemos na História os medos e os perigos, para a defendermos acima de tudo! (por guerras, contra elitistas e ditadores) que se leia a República nos dias que se seguem, ansiando a tranquilidade do puré de batata e da tísica que, embora gorda, parece poder tombar a qualquer garfada...

Sunday, October 01, 2006

à saída do poleiro após conspiração familiar, uma avó de elegância nórdica mas disposição latina agarrou-me pelo braço, segredando que também ela não gostava que lhe agarrassem o braço... reparou com os dedos em pinça os óculos de lente agora escurecida e preparei-me para ouvir alguma citação de O'Neill... Fitando-me a olhares doces de matriarca, propôs-me mirar um velho edifício rosa do outro lado dos caminhos de ferro... e começou no tom suave: "Sabes o que era ali há 70 e poucos anos atrás?". Sussurrei que não... A minha avó tem o hábito romano de esperar respostas a perguntas disfarçadamente retóricas. nasce-lhe do amor às pausas no teatro e da lucidez de quem sempre precisou de paz para pensar na sua própria vida. continuou encandeando a brancura da dentadura e passando o dedo envernizado pela verruga de estimaçao ao topo da bochecha direita: "ali era a minha escola primária...". nova pausa com um olhar de soslaio inclinando-se um pouco para que cruzássemos os olhos. e prosseguiu:"... a minha mãe deixava-me na minha madrinha pela manhã, na casa em frente... porque ela trabalhava e não podia tomar conta de mim... e depois eu lá atravessava a rua sem carros nem alcatrão até à porta grande...". Perguntei-lhe engenhosamente se a linha já nessa altura funcionava. Respondeu-me que sim e acrescentou: "Era uma escola de filhas de grandes africanistas do império e eu tinha sido aceite sob a condição de não dizer às outras meninas que os meus pais eram divorciados...".

Sorriu-me como se acreditasse que também nos meus cromossomas havia a certeza duma luta pela anormalidade enquanto natural mas discreta...