em busca de mim

Sunday, October 01, 2006

à saída do poleiro após conspiração familiar, uma avó de elegância nórdica mas disposição latina agarrou-me pelo braço, segredando que também ela não gostava que lhe agarrassem o braço... reparou com os dedos em pinça os óculos de lente agora escurecida e preparei-me para ouvir alguma citação de O'Neill... Fitando-me a olhares doces de matriarca, propôs-me mirar um velho edifício rosa do outro lado dos caminhos de ferro... e começou no tom suave: "Sabes o que era ali há 70 e poucos anos atrás?". Sussurrei que não... A minha avó tem o hábito romano de esperar respostas a perguntas disfarçadamente retóricas. nasce-lhe do amor às pausas no teatro e da lucidez de quem sempre precisou de paz para pensar na sua própria vida. continuou encandeando a brancura da dentadura e passando o dedo envernizado pela verruga de estimaçao ao topo da bochecha direita: "ali era a minha escola primária...". nova pausa com um olhar de soslaio inclinando-se um pouco para que cruzássemos os olhos. e prosseguiu:"... a minha mãe deixava-me na minha madrinha pela manhã, na casa em frente... porque ela trabalhava e não podia tomar conta de mim... e depois eu lá atravessava a rua sem carros nem alcatrão até à porta grande...". Perguntei-lhe engenhosamente se a linha já nessa altura funcionava. Respondeu-me que sim e acrescentou: "Era uma escola de filhas de grandes africanistas do império e eu tinha sido aceite sob a condição de não dizer às outras meninas que os meus pais eram divorciados...".

Sorriu-me como se acreditasse que também nos meus cromossomas havia a certeza duma luta pela anormalidade enquanto natural mas discreta...

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